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Imatinibe e a mudança do curso natural da Leucemia Mieloide Crônica (LMC)

De 1998 a 2022, imatinibe segue como um dos grandes nomes no tratamento para LMC. No vídeo, Dra. Carla Bonquimpani, Diretora Técnica da Fundação Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do RJ e Líder em Hematologia do Grupo Oncoclínicas Brasil, aborda o atual cenário de tratamento da LCM e os diferenciais que tornam imatinibe um dos spotlights de tratamento para essa doença. Vale a pena assistir e conferir o conteúdo completo.

Desde o início dos testes clínicos em 1998 até sua aprovação pelo FDA em 2001, o fármaco imatinibe segue como um dos mais clássicos e revolucionários fármacos no contexto do tratamento da Leucemia Mieloide Crônica (LMC). Caracterizada pela presença do cromossomo Philadelphia (Ph+), a translocação entre os braços dos cromossomos 9 e 22 geram um rearranjo gênico cuja fusão de genes BCR e ABL1 codifica proteína tirosina quinase (BCR-ABL) de ativação constitutiva. Essa ativação garante o processo leucemogênico e sustenta o racional clínico de inibição dessa tirosina quinase (TKI) mediante fármacos como o imatinibe. Décadas após a aprovação desse TKI, mesmo com a descoberta de novas vias de sinalizações e mecanismos direcionadores de malignidade, poucos fármacos adquiriram a relevância clínica que imatinibe possui.

Em específico, esse medicamento tem atividade inibitória sobretudo contra as moléculas ABL, BCR-ABL, PDGFRA e c-Kit, devido à competição pelo sítio de ligação de ATP desses receptores, inibindo fosforilação que é crucial para geração de sinalização celular positiva de sobrevivência e proliferação celular. Dada a mutação BCR-ABL, imatinibe tem predileção às células mieloides Ph+ (BCR-ABL1 dependente) circulantes ou presentes na medula óssea, mas não afeta a sobrevivência daquelas células-tronco hematopoiética, o que implica na possibilidade de recidiva quando o tratamento é interrompido.

O estudo clínico clássico IRIS (International Randomized Study of Interferon and STI571) desde as análises iniciais (18 meses), demonstrou grande eficácia de imatinibe em detrimento da associação interferon-α + citarabina, com taxa de resposta completa (0% de metáfases Ph+) de 76,2% dos pacientes versus 14,5%, em um esquema de tratamento muito melhor tolerável, seguro e manejável do ponto de vista de eventos adversos. Esses resultados levaram à migração dos pacientes randomizados no braço interferon-α + citarabina para o braço de imatinibe dada a tamanha discrepância de eficácia. Esse estudo foi o responsável pela grande revolução no tratamento e melhora do prognóstico de pacientes com LCM.

Publicado em 2017, a última análise desse estudo reportou que apenas 6,9% dos pacientes (intent-to-treat) apresentaram progressão, e a taxa estimada de não progressão em 10 anos de 92,1%. A sobrevida global (SG) estimada em 10 anos do tratamento em primeira linha foi de 83,3% e o hazard ratio de 0,74 (95%CI: 0,56-0,99).

Em estudo clínico publicado em 2020 (DASCERN) avaliando comparativamente dasatinibe (também um TKI) e  imatinibe em pacientes com LMC não respondedores à primeira linha com imatinibe, destaca-se que na coorte intent-to-treat a sobrevida livre de progressão após 24 meses não demonstrou diferença entre os fármacos [dasatinibe: 96%(95% CI 92–98) vs. imatinibe: 95% (95% CI 88–98)], esse mesmo racional se aplicou à SG, o que demonstra que mesmo com possibilidade de melhor resposta (major molecular response: 24% vs. 13%), não observou-se nesse caso, ganho de sobrevida, firmando a eficácia de imatinibe mesmo após 24 anos no mercado, mas destacando a importância de se seguir com esse estudo em período superior a 2 anos para confirmação desses achados.

            Importante ressaltar, além da eficácia, o perfil de segurança desse fármaco. Sabidamente, em comparação à administração de IFN-α + citarabina, apenas 9,3% dos pacientes desenvolveram toxicidades graves, sendo no geral, clinicamente manejáveis. Reportado no estudo DASCERN, dasatinibe apresentou 82% de toxicidades independente do grau, versus 78% no braço do estudo que recebeu imatinibe. Quando avaliado os eventos adverso graves independentemente do grau ou da causa há similaridade entre os fármacos (19% em ambos os braços). Esse achado demonstra não haver inferioridade na eficácia (SG e SLP) e nem grandes diferenças no perfil de segurança entre os fármacos comparados, mas aponta para o benefício (MMR) que alguns pacientes podem ter ao mudarem de linha para dasatinibe em um momento inicial do tratamento mediante falha de resposta à imatinibe.

Aspecto a ser notado decorrente da própria farmacodinâmica do medicamento, é a possibilidade de recidiva mediante suspensão terapêutica. Nesse sentido, estudos que visam avaliar a viabilidade e segurança em descontinuar a terapia com imatinibe em cenário de resposta molecular profunda (BCR-ABL1 <0,01% IS) foram realizados. O achado principal desses estudos, focado no endpoint primário SLT, retornou uma resposta molecular sustentada acima de cinco anos [6,9 anos (1,6-10,3 anos)].  Essa alta sustentação de resposta garantida pelo tratamento prévio com imatinibe é próxima ao que se é esperado para aqueles principais quimioterápico (5-years overall survival)

Em suma, o pioneirismo de imatinibe resultou na mudança do curso natural da doença, atraindo e gerando conhecimento para novos inibidores de tirosina quinase. Não restrito a isso, mesmo após 24 anos no mercado, segue oferecendo eficácia, segurança e sustentação de resposta terapêutica em cenário de praticamente não inferioridade com outros fármacos disponíveis (à exceção de propostas terapêuticas específicas).

Neste vídeo, a especialista apresenta o atual cenário do tratamento da leucemia mieloide crônica e como a utilização de TKIs levaram a um aumento nas taxas de resposta e sobrevida desses pacientes. Vale a pena assistir e conferir o conteúdo completo!

Referência:

  1. Laurence Zitvogel et al. Immunological off-target effects of imatinib. Nature Reviews Clinical Oncology (2016).
  2. Benjamin G. Carlisle et al. Imatinib and the long tail of targeted drug development. Nature Reviews Clinical Oncology (2020).
  3. Andreas Hochhaus, M.D. et al. Long-Term Outcomes of Imatinib Treatment for Chronic Myeloid Leukemia. The New England Journal of Medicine (2017).
  4. Jorge E. Cortes et al. Dasatinib vs. imatinib in patients with chronic myeloid leukemia in chronic phase (CML-CP) who have not achieved an optimal response to 3 months of imatinib therapy: the DASCERN randomized study. Leukemia (2020).
  5. Mahon, François-Xavier, et al. “Discontinuation of imatinib in patients with chronic myeloid leukaemia who have maintained complete molecular remission for at least 2 years: the prospective, multicentre Stop Imatinib (STIM) trial.”The lancet oncology11 (2010): 1029-1035.
  6. Campiotti, Leonardo, et al. “Imatinib discontinuation in chronic myeloid leukaemia patients with undetectable BCR-ABL transcript level: a systematic review and a meta-analysis.”European Journal of Cancer 77 (2017): 48-56.
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