Pegcetacoplan é uma droga capaz de controlar a hemólise em pacientes com hemoglobinúria paroxística noturna virgens de tratamento com inibidores de complemento
Seria o inibidor de C3 pegcetacoplan uma opção mais interessante para o tratamento da hemólise em pacientes com HPN do que os inibidores de C5?
Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima – Hematologista
A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma doença rara, caracterizada por hemólise mediada por complemento, eventos trombóticos e falência medular. Em geral é doença adquirida na idade adulta devido a mutações somáticas do gene PIG-A em células-tronco hematopoiéticas, que levam a um aumento na lise mediada por complemento, especialmente nas hemácias, gerando assim um quadro de anemia hemolítica potencialmente grave. Sintomas decorrentes da anemia, como fadiga e dispnéia, além da dependência transfusional desses pacientes, provocam uma importante redução na qualidade de vida nesta patologia.
A introdução dos inibidores da fração C5 do complemento foram um marco importante na HPN, representados pelo eculizumabe e ravulizumabe, os quais inibem a ativação do complemento terminal e geram subsequente redução na hemólise intravascular. No entanto, os pacientes que recebem inibidores de C5 podem desenvolver hemólise extravascular mediada pela proteína do complemento C3 proximal, e, portanto, podem não atingir normalização de níveis de hemoglobina por hemólise crônica de baixo grau.
Pegcetacoplan foi a primeira terapia direcionada a C3 desenvolvida para uso na HPN. Em estudos iniciais, o pegcetacoplan melhorou os níveis de hemoglobina dos pacientes de forma satisfatória. Para confirmar esses resultados, o estudo de fase 3 PRINCE foi realizado em pacientes com HPN virgens de inibidor de complemento.
PRINCE foi um estudo de fase 3, multicêntrico, aberto e controlado para avaliar a eficácia e segurança do pegcetacoplan versus grupo controle (apenas cuidados de suporte, como transfusões de sangue, corticosteroides e suplementos) em pacientes adultos com HPN virgens de inibidor de complemento. O estudo foi desenvolvido em 22 centros onde inibidores de complemento não eram aprovados ou eram de difícil acesso (Hong Kong, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Colômbia, México e Peru).
A randomização do estudo foi de 2:1 (pegcetacoplan versus controle). Adultos elegíveis recebendo cuidados de suporte foram distribuídos aleatoriamente e estratificados com base no número de transfusões (<4 ou ≥4) 12 meses antes da triagem. Os pacientes do estudo receberam pegcetacoplan 1080 mg por via subcutânea duas vezes por semana ou cuidados de suporte continuados (controle) por 26 semanas. Pacientes do grupo controle poderiam migrar para o grupo intervenção caso houvesse queda de hemoglobina ≥ 2 g/dL ou em caso de eventos tromboembólicos.
Os desfechos coprimários avaliados foram a estabilização da hemoglobina (evitar a redução >1 g/dL nos níveis de hemoglobina, sem necessidade transfusional) desde o início até a semana 26 e mudança do lactato desidrogenase (DHL) na semana 26. Entre os desfechos secundários avaliados foram parâmetros hematológicos do hemograma, fadiga e qualidade de vida.
O estudo foi realizado de 27 de agosto de 2019 a 23 de junho de 2021. 53 pacientes foram randomizados, sendo 35 no grupo intervenção e 18 no grupo controle. Pegcetacoplan foi superior ao controle atingindo ambos os desfechos coprimários até a semana 26, sendo superior ao controle na estabilização da hemoglobina (pegcetacoplan, 85,7%; controle, 0; diferença, 73,1%; intervalo de confiança de 95% [IC], 57,2-89,0; p < 0,0001) e na mudança do DHL (mudança média do mínimo quadrado: pegcetacoplan, −1.870,5 U/L; controle, −400,1 U/L; diferença, −1.470,4 U/L; IC 95%, −2.113,4 até −827,3; p < 0,0001). O tratamento com pegcetacoplan aumentou os níveis médios de hemoglobina para 12,0 g/dL na semana 6, e a mesma continuou a aumentar até a semana 26 (12,8 g/dL). O tratamento ainda resultou em níveis médios de DHL ≤226 U/L na semana 4, sendo mantidos ao longo de 26 semanas.
Não houve eventos adversos graves relacionados ao pegcetacoplan no estudo, que foi bem tolerado em todos os pacientes, incluindo aqueles que migraram do grupo controle para o grupo intervenção.
O estudo PRINCE mostrou que o tratamento com pegcetacoplan, além de atingir seu objetivo primário, também levou a melhora significativa em desfechos secundários como parâmetros do hemograma, fadiga e qualidade de vida nos pacientes. Nenhum evento hemolítico agudo foi reportado no grupo intervenção. O PRINCE não conseguiu avaliar os efeitos do pegcetacoplan sobre o risco de trombose em pacientes virgens de tratamento com HPN porque nenhum evento adverso de trombose foi relatado em nenhum dos grupos de tratamento. Um estudo de extensão (APL2-307; NCT03531255) englobando pacientes do PRINCE e 4 outros estudos de pegcetacoplan estão em andamento para avaliar a segurança e eficácia a longo prazo da droga para até 4 anos.
Estudos com os inibidores de C5 eculizumabe e ravulizumabe em pacientes com HPN virgens de tratamento com inibidor de complemento mostram melhora nos níveis de DHL e estabilização de hemoglobina, no entanto falham em mostrar normalização da mesma. Um estudo baseado em entrevista de pacientes mostrou que o tratamento com essas medicações ainda está associado a altas taxas de anemia persistente, fadiga e pior qualidade de vida.
O ensaio PRINCE demonstrou com sucesso que o pegcetacoplan controlou a hemólise pacientes com HPN virgens de tratamento com inibidores de complemento, que rapidamente tiveram seus níveis de hemoglobina estabilizados e normalizados, com diminuição da fadiga e melhoria da qualidade de vida em comparação com o tratamento controle. Os autores do trabalho concluem, apesar de este não ter sido um trabalho comparativo direto entre inibidores de C3 e C5, que o pegcetacoplan é uma melhor alternativa do que terapias com inibidores de C5 existentes, os quais estabilizam, mas não normalizam os parâmetros hematológicos.
Referência:
Wong, R. S. M., Navarro-Cabrera, J. R., Comia, N. S., Goh, Y. T., Idrobo, H., Kongkabpan, D., Gómez-Almaguer, D., Al-Adhami, M., Ajayi, T., Alvarenga, P., Savage, J., Deschatelets, P., Francois, C., Grossi, F., & Dumagay, T. (2023). Pegcetacoplan controls hemolysis in complement inhibitor-naive patients with paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood advances, 7(11), 2468–2478. https://doi.org/10.1182/bloodadvances.2022009129