Desfecho de pacientes com leucemia mieloide aguda com mutação do FLT3 recidivados/refratários submetidos a transplante de medula óssea alogênico – estudo de gilteritinibe versus quimioterapia convencional
Pacientes com LMA FLT3 R/R que fazem tratamento de resgate com gilteritinibe, transplante alogênico de medula óssea e manutenção pós-TMO com o mesmo inibidor de FLT3 apresentam baixas taxas de recidiva
Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima – Hematologista
Mutações do tipo FLT3 (fms-like tyrosine kinase 3) são comuns em pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA), e são associadas em geral à doença mais agressiva e com pior desfecho de sobrevida. Na ausência de mutações do tipo NPM1, pacientes de LMA com mutações no FLT3 (ITD ou TKD) apresentam indicação de transplante de células-tronco hematopoiéticas (TMO) alogênico em primeira remissão quando elegíveis.
A incorporação de inibidores de FLT3 no tratamento de pacientes com LMA FLT3 mutada vem melhorando os desfechos outrora sombrios dessa doença, e essas drogas cada vez mais vêm sendo utilizadas como uma ponte para TMO alogênico.
O estudo de fase 3 RATIFY incorporou à prática clínica o uso da midostaurina, inibidor multiquinase de FLT3, para pacientes recém-diagnosticados, que em combinação com quimioterapia de alta intensidade promoveu melhor sobrevida global em comparação com quimioterapia convencional isoladamente. No entanto, dentro de um contexto de refratariedade ou recidiva (R/R) da LMA, esta droga demonstra potência limitada in vivo. Inibidores de FLT3 mais modernos, como o gilteritinibe, apresentam maior potência e atividade clínica significativa de agente único, com tolerabilidade favorável.
O estudo de fase 3 multicêntrico ADMIRAL mostrou que o gilteritinibe melhorou a sobrevida de pacientes com LMA R/R FLT3 mutada quando comparada com tratamento convencional com quimioterapia. Uma proporção maior de pacientes no braço gilteritinibe (26%) do que no braço comparador (15%) procederam ao TMO alogênico. Nesse estudo era permitido ainda que pacientes do braço do gilteritinibe retomassem a droga após o TMO (entre os dias 30 e 90 pós-transplante) se eles obtivessem resultado completo composto (CRc) e tivessem enxerto estável e sem complicações graves pós-TMO.
Para realizar uma análise detalhada de desfechos pós-TMO de pacientes no estudo ADMIRAL foi realizada uma análise post hoc para avaliar resultados em pacientes no que tange à sobrevida global (SG), resposta pré-TMO e recidiva pós-TMO. O impacto da terapia de manutenção com gilteritinibe pós-TMO na SG e no perfil de segurança da terapia de manutenção também foram avaliados.
Pacientes no braço gilteritinibe foram submetidos a TMO alogênico com mais frequência do que aqueles no braço de quimioterapia (26% [n = 64] versus 15% [n = 19]). A mediana de SG foi significativamente melhor nos pacientes submetidos a TMO em relação aos pacientes que não o realizaram (20,2 meses [IC 95%, 14,1 a 36,2 meses] versus 6,8 meses [IC 95%, 6,1 a 7,9 meses]; P < 0,0001).
Para todos os pacientes submetidos a transplante, as taxas de SG em 12 e 24 meses foram de 68% e 47%, respectivamente. A sobrevida pós-TMO foi semelhante nos 2 braços do estudo ADMIRAL, mas taxas de remissão mais elevadas com gilteritinibe facilitaram a ida dos pacientes para TMO alogênico.
Os pacientes que retomaram o gilteritinibe após o TMO tiveram uma baixa taxa de recidiva após CRc pré-transplante (20%) ou CR (0%). A terapia de manutenção pós-transplante com gilteritinibe teve um bom perfil de segurança e tolerabilidade e foi associada a baixas taxas de recaída. Dos 40 pacientes que retomaram o gilteritinibe após o TMO, 29 interromperam o tratamento no momento do corte dos dados e 11 continuaram a receber a droga. Os motivos mais comuns para a descontinuação foram morte (24%; n = 7 de 29), recaída (21%; n = 6 de 29), efeitos adversos (21%; n = 6 de 29) e decisão do médico (17%; n = 5 de 29). A duração média da manutenção pós-transplante com gilteritinibe foi de 258,5 dias.
Apesar dos bons resultados, os autores da análise post hoc alertam contra a interpretação definitiva dos dados de terapia de manutenção com gilteritinibe no estudo ADMIRAL. O número de pacientes que receberam a droga foi pequeno e a CRc pré-TMO foi mais comum entre pacientes que reiniciaram gilteritinibe, o que pode ter contribuído para as diferenças observadas nas análises de sobrevivência. O pequeno número de pacientes submetidos a TMO durante o estudo impediu comparações estatísticas rigorosas entre grupos TMO e não TMO. Além disso, as análises não foram ajustadas para comparações múltiplas.
A despeito dessas e outra limitações citadas no artigo, os autores concluem que, tomados em conjunto, os dados apresentados apoiam uma preferência pela terapia de resgate na LMA com mutação FLT3 R/R com gilteritinibe em detrimento da quimioterapia convencional em pacientes elegíveis para transplante. Com os dados apresentados ainda não foi possível afirmar com segurança sobre a superioridade dos desfechos com uso de manutenção pós-TMO com gilteritinibe, no entanto, um estudo em andamento, de fase 3, placebo-controlado (Clinical-Trials.gov identifier NCT02997202) avaliará o benefício da terapia de longo prazo com gilteritinibe pós-transplante no paciente em primeira resposta completa com LMA FLT3 mutada.
Referências:
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- Perl, A. E., Martinelli, G., Cortes, J. E., Neubauer, A., Berman, E., Paolini, S., Montesinos, P., Baer, M. R., Larson, R. A., Ustun, C., Fabbiano, F., Erba, H. P., Di Stasi, A., Stuart, R., Olin, R., Kasner, M., Ciceri, F., Chou, W. C., Podoltsev, N., Recher, C., … Levis, M. J. (2019). Gilteritinib or Chemotherapy for Relapsed or Refractory FLT3-Mutated AML. The New England journal of medicine, 381(18), 1728–1740. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1902688