Avanços no tratamento da policitemia vera: estudo MAJIC-PV revela eficácia do Ruxolitinibe
Pesquisa científica aponta novo caminho com o uso do medicamento para melhorar a qualidade de vida e a sobrevivência de pacientes de alto risco que são intolerantes ou resistentes a hidroxicarbamida
Escrito por: Samara Alves
Revisado por: Guareide Carelli
A busca por tratamentos mais eficazes para doenças da medula óssea, como a Policitemia Vera (PV) progride. A PV faz parte das doenças que se desenvolvem com o aumento descontrolado da produção de células sanguíneas, categorizadas como neoplasias mieloproliferativas. Ela é caracterizada pelo aumento dos níveis de glóbulos vermelhos devido a uma mutação genética na proteína Janus kinase-2 (JAK2) que atua na sinalização dos processos de proliferação e diferenciação celular. Esse defeito na JAK2 resulta na ativação desregulada da proliferação celular, levando a um aumento na massa de glóbulos vermelhos e consequente aumento da viscosidade sanguínea. Além disso, a PV está associada a complicações graves, como tromboses, e sintomas debilitantes, incluindo dor de cabeça, tontura, alterações visuais, claudicação, prurido, gastrite, saciedade precoce, sangramento, eritromelalgia (sensação de queimação nas mãos e pés), e um risco aumentado de desenvolver mielofibrose, leucemia aguda e síndrome mielodisplásica.
Apesar de ainda não haver cura para a PV, tratamentos estão disponíveis com o objetivo de aliviar os sintomas e reduzir o risco de complicações graves, como trombose e transformação hematológica. Essas abordagens incluem a flebotomia terapêutica (remoção de sangue de uma veia) e o uso de baixas doses diárias de aspirina. Para pacientes de alto risco, a terapia cito-redutora é recomendada para reduzir a contagem de células sanguíneas, com a hidroxicarbamida sendo uma opção padrão de tratamento, pois inibe a síntese de DNA. No entanto, alguns pacientes desenvolvem intolerância ou resistência à hidroxicarbamida, limitando as opções terapêuticas. Uma alternativa é o Ruxolitinibe, que atua como inibidor direto das proteínas da família JAK. Esse medicamento compete com o ATP pela ligação à JAK no mesmo sítio de ativação, reduzindo assim sua atividade e interrompendo as vias de sinalização de citocinas e fatores de crescimento, resultando na diminuição nas citocinas pró-inflamatórias.
Um estudo denominado MAJIC-PV, publicado na revista Journal of Clinical Oncology, apresentou evidências de que o Fuxolitinibe pode representar uma opção de tratamento superior à terapia padrão para pacientes de alto risco que são intolerantes ou resistentes a hidroxicarbamida no tratamento da PV. Esse estudo incluiu 180 pacientes com idade acima de 18 anos, dos quais 93 receberam Ruxolitinibe e 87 receberam terapia padrão. A duração média do tratamento foi de 1568 dias para o grupo Ruxolitinibe, com uma dose média de 10 mg administrados duas vezes ao dia. O grupo de terapia padrão, por sua vez, teve uma média de duração do tratamento de 1220 dias e recebeu predominantemente hidroxicarbamida (32%), interferon (15%) ou uma combinação de ambos (12%).
Os resultados do estudo revelaram a superioridade do Ruxolitinibe em relação à terapia padrão, com uma taxa de resposta completa ao tratamento de 43% nos pacientes tratados com Ruxolitinibe em comparação com 26% naqueles que receberam a terapia padrão (razão de chances OR 2,12; IC 90%; P= 0,02). Além disso, os pacientes tratados com Ruxolitinibe conseguiram manter uma resposta completa por um período mais prolongado. Em relação aos parâmetros hematológicos, os pacientes submetidos ao tratamento com Ruxolitinibe necessitaram de menos flebotomias (83 para Ruxolitinibe versus 307 para terapia padrão), mesmo com tempos de tratamento e acompanhamento ligeiramente mais longos. Os níveis de hemoglobina e hematócrito foram inferiores no grupo Ruxolitinibe, enquanto a contagem de leucócitos e plaquetas não apresentou diferenças significativas. O tratamento com Ruxolitinibe também resultou em significativa melhora na sobrevida livre de eventos tromboembólicos (taxa de risco [HR] 0,56; IC 95%; 0,32 a 1,00; P = 0,05). Notavelmente, a análise revelou uma redução de mais de 50% nos níveis de mutações V617F no gene da JAK2, associadas a um maior risco de eventos vasculares e transformação em mielofibrose, nos pacientes tratados com Ruxolitinibe, em comparação com uma redução de 25% nos pacientes submetidos à terapia padrão (P < 0,001). Esta redução das mutações esteve correlacionada com benefícios clínicos substanciais, incluindo melhora na resposta completa, sobrevida livre de progressão, sobrevida livre de eventos e sobrevida geral.
Além dos benefícios hematológicos, o estudo MAJIC-PV também destacou melhorias significativas na qualidade de vida dos pacientes tratados com Ruxolitinibe, enquanto os pacientes que receberam a terapia padrão experimentaram um agravamento dos sintomas, retornando aos valores basais após 56 meses. Os sintomas específicos, como fadiga, saciedade precoce, suores noturnos, coceira, dor óssea e perda de peso apresentaram uma redução estatisticamente significativa com o uso do Ruxolitinibe em comparação com a terapia padrão. No entanto, é importante notar que os pacientes tratados com Ruxolitinibe apresentaram uma maior incidência de infecções, particularmente herpes zoster nas formas respiratória, geniturinária e cutânea. Não foram registradas mortes relacionadas a infecções ou infecções atípicas. Um achado importante que requer investigação adicional é o aumento na ocorrência de câncer de pele de células escamosas em pacientes submetidos ao tratamento com Ruxolitinibe (11 casos versus nenhum na terapia padrão). Em resumo, o estudo MAJIC-PV confirma que o Ruxolitinibe representa uma abordagem terapêutica eficaz para pacientes de alto risco com PV que são intolerantes ou resistentes à hidroxicarbamida. Essa pesquisa amplia nossos conhecimentos sobre os benefícios do Ruxolitinibe, abrangendo desde o controle hematológico até melhorias na qualidade de vida, além de destacar seu papel na melhoria da sobrevida livre de trombose e de eventos em pacientes de PV de alto risco. A monitorização é essencial para identificar os potenciais riscos associados a essa terapia, como a ocorrência de câncer de pele de células escamosas.
Referências:
Harrison, C. e. (2023). Ruxolitinib Versus Best Available Therapy for Polycythemia Vera Intolerant or Resistant to Hydroxycarbamide in a Randomized Trial. J Clin Oncol, 41, 3534-3544.