A importância da retestagem do FLT3 na leucemia mieloide aguda
Reavaliação genética melhora as perspectivas de sobrevida em pacientes com LMA R/R com mutação no gene FLT3, possibilitando tratamentos mais direcionados, como o gilteritinibe, avaliado no estudo ADMIRAL
Escrito por: Samara Alves
A leucemia mieloide aguda (LMA) é uma neoplasia hematológica heterogênea e dinâmica, com características genéticas que podem evoluir ao longo do tempo. Entre as anomalias genéticas mais comuns nos pacientes com LMA, destaca-se a mutação do gene FLT3, que codifica um receptor de tirosina quinase envolvido na sinalização e proliferação celular, presente em aproximadamente 30% dos casos. A mutação no gene do recetor FLT3 pode estar presente no diagnóstico inicial ou surgir de forma mais tardia, especialmente após tratamentos iniciais. Conhecer o status mutacional do FLT3 permite escolhas mais eficazes para o tratamento, com terapias direcionadas que inibem o receptor FLT3. Por isso, a retestagem desse gene em estágios avançados da doença é fundamental para detectar novas mutações que possam impactar a abordagem terapêutica após uma recidiva, melhorando a resposta ao tratamento e prolongando a sobrevida dos pacientes.
Durante a progressão da LMA, as células cancerígenas acumulam mutações, originando múltiplos subclones que coexistem e competem entre si. O tratamento exerce uma pressão seletiva que pode levar ao predomínio de subclones que não respondem ao tratamento e emergem como novas populações dominantes, resultando em recidivas. Estudos indicam que em torno de 22% de todos os pacientes com LMA testados ao diagnóstico irão mudar o status do FLT3 na fase refratária ou recidivada. As mutações no gene do receptor FLT3, que podem surgir ao longo do tratamento, possibilitam o desenvolvimento de subclones resistentes. Essas mutações ativam vias de sinalização importantes, como PI3K/AKT, RAS/MAPK e STAT5, que promovem a sobrevivência e a proliferação das células tumorais, além de bloquear a diferenciação das células leucêmicas. Além disso, pacientes com LMA FLT3-mutada apresentam elevadas taxas de recidiva: até 70% dos pacientes recidivam em cinco anos após a terapia inicial. A mutação FLT3-ITD (internal tandem duplication) está associada a um maior risco de recidiva precoce e pior prognóstico.
O estudo ADMIRAL, de fase 3, demonstrou a eficácia do gilteritinibe, um inibidor de FLT3, em pacientes com LMA recidivada ou refratária e mutação no gene FLT3. Os pacientes foram randomizados para receber gilteritinibe ou quimioterapia convencional, e os resultados mostraram que o gilteritinibe proporcionou uma mediana de sobrevida global de 9,3 meses, em comparação com 5,6 meses para a quimioterapia. Além disso, a taxa de resposta global foi de 68% para o gilteritinibe, contra 26% para a quimioterapia, e 21% dos pacientes com gilteritinibe alcançaram remissão completa com duração média da resposta de 23 meses. Esses dados destacam a eficácia do gilteritinibe como uma terapia-alvo para pacientes com LMA R/R FLT3-mutada.
Para que pacientes com LMA se beneficiem de terapias-alvo como o gilteritinibe, é essencial que sejam realizados testes para detectar a mutação FLT3. De acordo com as diretrizes do National Comprehensive Cancer Network (NCCN) e outras entidades, recomenda-se que testes genéticos para FLT3 sejam feitos tanto no diagnóstico inicial quanto antes e após o tratamento, especialmente em casos de recidiva. A retestagem permite identificar novas mutações e avaliar a persistência da mutação FLT3, o que é crucial para o ajuste do tratamento. Essa abordagem proativa é especialmente importante em um cenário onde a resistência ao tratamento é comum e a evolução clonal favorece a emergência de subclones agressivos. O uso de inibidores de FLT3, como o gilteritinibe, pode ser otimizado por meio de uma abordagem que inclui retestagem regulares e uma avaliação precisa do estado mutacional, promovendo um manejo mais eficaz e individualizado da LMA. Esse enfoque personalizado pode melhorar as perspectivas de sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes com LMA.
Referências:
- Perl AE et al. N Engl J Med. 2019 Oct 31;381(18):1728-1740
- Shymony et al., 2022. Annals of Hematology; 2-Numan et al., 2022. Am J Hematology. 3-Sugamori et al., 2022. Jap J of Clinical Oncology; 4- Perl AE et al. N Engl J Med. 2019 Oct 31;381(18):1728-1740
- Döhner et al. Blood. 2017 Jan 26;129(4):424-447. National Comprehensive Cancer Network. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines):Acute Myeloid Leukemia. Version 3, 2020. Perl AE et al. N Engl J Med. 2019 Oct 31;381(18):1728-1740