skip to Main Content

Transplante de células hematopoiéticas e o uso de bussulfano no condicionamento

O bussulfano é um agente alquilante utilizado no condicionamento prévio ao transplante de células hematopoiéticas autólogo e alogênico. Sua monitorização e eventuais ajustes de dose são fundamentais para o sucesso e segurança do tratamento

Escrito por: Accord

Revisado por: Med.IQ

O transplante de células hematopoiéticas (TCH) – autólogo e alogênico – tem indicação em desordens malignas e não malignas.

Inicialmente desenvolvido para tratar lesões por irradiação e posteriormente adaptado para o câncer, o tratamento é indicado para neoplasias hematológicas e não hematológicas, tumores sólidos e doenças autoimunes.

O bussulfano é um agente alquilante bifuncional sintetizado em 1952, inicialmente empregado no tratamento de pacientes com leucemia mieloide crônica (LMC), passando a ser utilizado, posteriormente, em TCH autólogo e alogênico.

No Brasil, durante o condicionamento, o bussulfano possui duas indicações: leucemia mieloide aguda (LMA) (adultos e crianças), síndromes mielodisplásicas, mielofibrose, anemia aplásica, imunodeficiência combinada grave (crianças) e alguns linfomas.

Uma das complicações mais graves pós-TCH decorrentes do uso de bussulfano é a síndrome obstrutiva sinusoidal (SOS). A individualização do paciente é fundamental para reduzir as toxicidades agudas e crônicas pós-transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) e por isso, as técnicas de monitoramento farmacoterapêutico são formas de avaliar o impacto da droga na farmacocinética e farmacodinâmica do paciente, reduzindo falhas de enxertia, recidiva de doença e as toxicidades inerentes.

Monitorização fármaco-terapêutica (MFT) do bussulfano

A MFT baseia-se em monitorizar níveis circulantes de um determinado medicamento, com ajustes subsequentes de doses baseados em uma concentração terapêutica alvo predefinida. Essa técnica já é realizada na prática clínica para alguns medicamentos que necessitam de uma concentração mínima para a ocorrência da ação, porém, em TCH, isso é algo limitado e o único quimioterápico que atualmente é monitorizado em TCH quando oferecido em altas doses é o bussulfano.

Ao ser utilizado em altas doses, pode causar a SOS e observou-se que esse risco aumenta quando a concentração plasmática (CP) do quimioterápico atinge mais que 900 µg/L e quando a área sob a ASC é > 1.500 µMol/min.

A limitação de MFT na hematologia e oncologia clínica pode relacionar-se ao fato de que técnicos em laboratório conhecedores dessa prática estejam restritos às práticas de pesquisas, tornando essas atividades pouco utilizadas na rotina laboratorial diária. A personalização das doses de BU utilizando as técnicas de MFT é fundamental em pacientes submetidos à TCH, e seu benefício deve ser levado à prática em centros transplantadores.

Ajustes de bussulfano baseado na técnica de MFT

Atualmente, o uso do bussulfano implica monitorização plasmática de seus níveis com posteriores ajustes denominando-se target busulfan.

O efeito terapêutico correlaciona-se com a área sob a ASC ou a média da concentração plasmática em seu estado de equilíbrio (Css) que variam intensamente entre um paciente e outro. Se administrado por via intravenosa, a dose é de 0,8 mg/kg de 6/6 h ou 130 mg/m2 a cada 24 h, atingindo ASC de 4.000 a 6.000 µMol/min em 24 h.

Essa concentração é determinada a partir da obtenção do clearance de bussulfano de acordo com a dose recebida em função do tempo. Ao se comparar o bussulfano VO com endovenoso no protocolo BUCY, em estudo retrospectivo, observou-se que a incidência de SOS é maior em quem recebe a droga por via oral e a mortalidade até D+100 é maior nessa população, o que explicaria que que por via endovenosa não tem efeitos de primeira passagem no fígado e tem menor variabilidade, pelo fato de não passar pelo trato gastrintestinal.

A dose padrão VO é de 1 mg/kg a cada 6 h, variando a ASC entre 1.000 e 1.300 µMol/min/dose. Os ajustes de doses na MFT podem causar intolerâncias gastrointestinais, comprometendo a absorção do medicamento e mantendo a variabilidade em até três vezes. O atraso na absorção e eliminação pode ocorrer em 10% a 25% dos pacientes, acumulando o fármaco e prolongando seu tempo de concentração para mais que 6 h, interferindo no modelo farmacocinético. A técnica de MFT em hematologia é algo inovador e com grande aplicabilidade no Brasil, sendo realidade na prática diária, com objetivos de reduzir a toxicidade nos pacientes e melhorar os resultados diante de outros centros transplantadores internacionais.

Bussulfano por via endovenosa e intravenosa

  Por muitos anos, apenas a formulação de bussulfano por via oral estava disponível nos centros transplantadores.

Para melhorar a segurança e eficácia, a análise farmacocinética foi adotada posteriormente.

Contudo, devido a sua não uniformidade, surgiram questionamentos com relação à própria monitorização plasmática5. Com a administração do medicamento de forma parenteral, foi observada melhor exposição sistêmica e menor variabilidade.

Os primeiros estudos utilizavam bussulfano por via endovenosa cada 6 h. Em 2006, foi publicado o primeiro estudo no qual o quimioterápico foi administrado na dose de 130 mg/m2 ao dia acompanhado de monitorização farmacoterapêutica (MFT).

Referências: 

  1. Lorenz E, Uphoff D, Reid TR, Shelton E. Modification of irradiation injury in mice and Guinea Pigs by bone marrow injections. J Natl Cancer Inst. 1951;12(1):197-201.
  2. Blazar BR, Ramsay NK, Kersey JH, Krivit W, Arthur DC, Filipovich AH. Pretransplant conditioning with busulfan (Myleran) and cyclophosphamide for nonmalignant diseases. Assessment of engraftment following histocompatible allogeneic bone marrow transplantation. Transplantation. 1985;39(6):597-603.

3.Esteves I, Santos FPS, Fernandes JF, Seber A, Oliveira JSR, Hamerschlak N, et al. Pharmacokinetics analysis results are similar for oral compared to intravenous busulfan in patients undergoing hematopoietic stem cell transplantation, except for the earlier onset of mucositis. A controlled clinical study. Bone Marrow Transplant. 2019;54(11):1799-804. 

4.Esteves I, Santos FPS, Ribeiro AAF, Seber A, Sugawara EK, Sobrinho JJDN, et al. Targeted-dose of busulfan: higher risk of sinusoidal obstructive syndrome observed with systemic exposure dose above 5000 µMol.min. A historically controlled clinical trial. Hematol Oncol. 2020;38(5):773-81.

5.Madden T, de Lima M, Thapar N, Nguyen J, Roberson S, Couriel D, et al. Pharmacokinetics of once-daily IV busulfan as part of pretransplantation preparative regimens: a comparison with an every 6-hour dosing schedule. Biol Blood Marrow Transplant. 2007;13(1):56-64.

6.de Lima M, Couriel D, Thall PF, Wang X, Madden T, Jones R, et al. Once-daily intravenous busulfan and fludarabine: clinical and pharmacokinetic results of a myeloablative, reduced-toxicity conditioning regimen for allogeneic stem cell transplantation in AML and MDS. Blood. 2004;104(3):857-64.

  1. Andersson BS, Madden T, Tran HT, Hu WW, Blume KG, Chow DS, et al. Acute safety and pharmacokinetics of intravenous busulfan when used with oral busulfan and cyclophosphamide as pretransplantation conditioning therapy: a phase I study. Biol Blood Marrow Transplant. 2000;6(5A):548-54.
  2. Cremers S, Schoemaker R, Bredius R, den Hartigh J, Ball L, Twiss I, et al. Pharmacokinetics of intravenous busulfan in children prior to stem cell transplantation. Br J Clin Pharmacol. 2002;53(4):386-9.
  3. Hassan M, Oberg G, Bekassy AN, Aschan J, Ehrsson H, Ljungman P, et al. Pharmacokinetics of high-dose busulphan in relation to age and chronopharmacology. Cancer Chemother Pharmacol. 1991;28(2):130-4. 
  4. Grochow L, Krivit W, Whitley CB, Blazar BR. Busulfan disposition in children. Blood. 1990;75(8):1723-7.
  5. Kletzel M, Jacobsohn D, Duerst R. Pharmacokinetics of a test dose of intravenous busulfan guide dose modifications to achieve an optimal area under the curve of a single daily dose of intravenous busulfan in children undergoing a reduced-intensity conditioning regimen with hematopoietic stem cell transplantation. Biol Blood Marrow Transplant. 2006;12(4):472-9.
  6. McCune JS, Baker KS, Blough DK, Gamis A, Bemer MJ, Kelton-Rehkopf MC, et al. Variation in prescribing patterns and therapeutic drug monitoring of intravenous busulfan in pediatric hematopoietic cell transplant recipients. J Clin Pharmacol. 2013;53(3):264-75.
  7. Vassal G. Pharmacologically-guided dose adjustment of busulfan in high-dose chemotherapy regimens: rationale and pitfalls (review). Anticancer Res. 1994;14(6A):2363-70.
  8. Pidala J, Kim J, Anasetti C, Kharfan-Dabaja MA, Nishihori T, Field T, et al. Pharmacokinetic targeting of intravenous busulfan reduces conditioning regimen related toxicity following allogeneic hematopoietic cell transplantation for acute myelogenous leukemia. J Hematol Oncol. 2010;6;3:36.
  9. Takamatsu Y, Ogata K, Yamauchi K, Hara S, Kamimura T, Hayashi S, et al. An evaluation of busulfan pharmacokinetics in patients undergoing hematopoietic stem cell transplantation. Jpn J Clin Oncol. 2005;35(7):400-3.
  10. Tran H, Petropoulos D, Worth L, Mullen CA, Madden T, Andersson B, et al. Pharmacokinetics and individualized dose adjustment of intravenous busulfan in children with advanced hematologic malignancies undergoing allogeneic stem cell transplantation. Biol Blood Marrow Transplant. 2004;10(11):805-12.
  11. Kashyap A, Wingard J, Cagnoni P, Roy J, Tarantolo S, Hu W, et al. Intravenous versus oral busulfan as part of a busulfan/cyclophosphamide preparative regimen for allogeneic hematopoietic stem cell transplantation: decreased incidence of hepatic venoocclusive disease (HVOD), HVOD-related mortality, and overall 100-day mortality. Biol Blood Marrow Transplant. 2002;8(9):493-500.
  12. Dix SP, Wingard JR, Mullins RE, Jerkunica I, Davidson TG, Gilmore CE, et al. Association of busulfan area under the curve with veno-occlusive disease following BMT. Bone Marrow Transplant. 1996;17(2):225-30.
  13. Hassan M, Ljungman P, Bolme P, Ringdén O, Syrůcková Z, Békàssy A, et al. Busulfan bioavailability. Blood. 1994;1;84(7):2144-50
Back To Top