Células CAR-T alogênicas anti-BCMA na terapia do mieloma múltiplo recidivante/refratário: resultados interinos do estudo UNIVERSAL
Análises iniciais do estudo de fase I UNIVERSAL indicam evidências de viabilidade, segurança e eficácia para terapia alogênica de células CAR-T anti-BCMA ALLO-715 para o tratamento do mieloma múltiplo recidivante/refratário
Escrito por: Bárbara Yasmin Garcia Andrade
Revisado por: Paulo Henrique Cavalcanti
O mieloma múltiplo (MM) continua sendo um câncer incurável, apesar dos recentes avanços no tratamento. Nos últimos anos, houve um aumento de terapias direcionadas ao Antígeno de Maturação de Células B (BCMA) como uma nova classe de terapia para o tratamento.
Diversas modalidades direcionadas ao BCMA demonstraram atividade, incluindo conjugados anticorpo-droga, anticorpos biespecíficos e terapia autóloga com células CAR-T (células T expressando receptor de antígeno quimérico). Apesar das terapias autólogas com células CAR-T direcionadas a BMCA apresentarem altas taxas de resposta geral (TRGs) e duração da resposta (DR) em mieloma recidivante/refratário, existem vários desafios logísticos para o uso do CAR-T autólogo que podem impedir o acesso generalizado à esta terapia. Dentre os principais fatores, a disponibilidade de células viáveis para coleta – em razão do quadro de linfopenia, restrições de fabricação e a terapia de ponte necessária para a maioria dos pacientes.
Como alternativa para a terapia autóloga com CAR-T, alguns grupos vêm estudando a terapia alogênica de células CAR-T, pois ela permite o desenvolvimento de um produto CAR-T pronto para uso que pode ser acessado sem a necessidade de leucaférese e os subsequentes longos tempos de fabricação. Seguindo essa vertente, os pesquisadores do grupo Myeloma Service and Cellular Therapy Service do centro Memorial Sloan Kettering Cancer de Nova Iorque (EUA) publicaram os resultados preliminares do estudo UNIVERSAL, um ensaio de fase I que avalia o ALLO-715 em pacientes com mieloma recidivante e/ou refratário. Os autores descrevem ALLO-715 como uma terapia alogênica de primeira classe com células CAR-T anti-BCMA projetada para anular a doença do enxerto contra o hospedeiro e minimizar a rejeição de CAR-T. Para isso, essas células CAR-T sofreram duas alterações adicionais: nocaute da cadeia alfa do receptor de células T (TRAC) e nocaute do CD52 que reduzem o reconhecimento das células CAR-T autólogas pelo sistema imune do paciente. Para reduzir ainda mais o risco de resposta autoimune, foi induzido a depleção das células CD52+ com o auxílio do anticorpo anti-CD52 ALLO-647, o que permitiu a expansão celular e persistência de ALLO-715 em pacientes linfodepletados.
Os resultados preliminares avaliam a segurança, eficácia, cinética celular, imunogenicidade e farmacodinâmica de uma dose única de ALLO-715 após linfodepleção (LD) com regime contendo ALLO-647. No total, 43 pacientes receberam ALLO-715 e foram tratados em 4 níveis de dose-alvo (DLs) de: DL1 – 40 × 106 (n = 3); DL2 – 160×106 (n = 7); DL3 – 320×106 (n = 27); e DL4 – 480×106 (n = 6) de células CAR-T+, respectivamente. Vários regimes de DL também foram avaliados, incluindo fludarabina (90 mg/m2) e ciclofosfamida (900 mg/m2) combinados com ALLO-647 em uma dose de 3 dias de 39 mg, 60 mg ou 90 mg. Ciclofosfamida e ALLO-647 também foram testados sem fludarabina.
Os endopoints primários incluíram a determinação da segurança e tolerabilidade de ALLO-715 e o perfil de segurança do regime de linfodepleção contendo ALLO-647. Todos os 43 pacientes relataram pelo menos um evento adverso (EA), com 88% dos pacientes tendo EAs de grau ≥3. Os EAs mais frequentes foram neutropenia em 69,8%, anemia em 55,8% e trombocitopenia em 51,2%. Foram relatadas 10 mortes durante o estudo após a administração de ALLO-775, das quais sete foram relacionadas à progressão da doença e três a casos de infecções de grau 5: pneumonia fúngica, hepatite adenoviral e sepse. Ainda, ocorreram infecções em 53,5% dos pacientes com 23,3% dos pacientes apresentando uma infecção de grau ≥3. A síndrome de liberação de citocinas (SLC) ocorreu em 24 (55,8%) pacientes, com mais casos de SLC sendo relatados em doses mais altas de ALLO-715. Em 27 pacientes que receberam DL3, 19 (70%) apresentaram SLC. Todas as ocorrências de SLC foram de grau 1 ou 2, exceto para um paciente DL3 que apresentou SLC de grau 3. Foram identificados eventos de potencial neurotoxicidade em 6 (14%) pacientes, sendo 2 (5%) eventos concomitantes com a SLC. Todos os casos foram de grau 1 ou 2 e nenhum paciente recebeu esteroides para eventos de neurotoxicidade. As reações relacionadas à infusão de ALLO-647 foram observadas em 12 (28%) pacientes, com todos os eventos sendo de grau 1 ou 2.
Os principais endpoints secundários foram a taxa de resposta e a duração da resposta. Em um acompanhamento médio de 10,2 meses (IC95%: 3,8 – não alcançado), 24 de 43 pacientes (55,8%; IC95%: 39,9 – 70,9) apresentaram uma resposta, com 15 pacientes (34,9%) experimentando uma resposta parcial muito boa ou melhor. As respostas não foram observadas em pacientes recebendo DL1; 2 de 7 pacientes recebendo DL2 (28,6%), 19 de 27 pacientes recebendo DL3 (70%) e 3 de 6 pacientes recebendo DL4 (50%). Entre os pacientes tratados com 320×106 células CAR-T+ e um regime de linfodepleção baseado em fludarabina, ciclofosfamida e ALLO-647 (n = 24), 17 (70,8%) tiveram uma resposta incluindo 11 (45,8%) com resposta parcial muito boa ou melhor e 6 (25%) com uma resposta completa/resposta completa rigorosa. A duração mediana da resposta foi de 8,3 meses.
Sendo assim, os autores concluem que o ALLO-715 é a primeira terapia alogênica de células CAR T para mieloma e esses resultados iniciais do estudo UNIVERSAL fornecem evidências de viabilidade, segurança e eficácia para essa terapia celular pronta para uso como um tratamento potencial para pacientes com MM.
Referência:
1 – MAILANKODY, Sham et al. Allogeneic BCMA-targeting CAR T cells in relapsed/refractory multiple myeloma: phase 1 UNIVERSAL trial interim results. Nature Medicine, v. 29, n. 2, p. 422-429, 2023.